Nos últimos anos, termos como “intolerância à lactose”, “intestino sensível” e “alimentação sem glúten” têm ganhado força nas redes sociais e na boca do povo. De um lado, cresce a conscientização sobre a relação entre alimentos e sintomas intestinais; de outro, o risco real de banalizar ou confundir condições graves com algo aparentemente simples.
Mas será que tudo mesmo é intolerância alimentar? Quem faz esse alerta é a médica Nayze Lucena Sangreman Aldeman, patologista do IESVAP | Afya, que chama a atenção para um grupo de doenças que pode estar sendo ignorado: as Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs), como a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa.
“Intolerância alimentar é uma dificuldade do organismo em digerir ou metabolizar certos alimentos, geralmente por deficiência de enzimas ou reações não imunológicas. Um exemplo clássico é a intolerância à lactose, causada pela deficiência da enzima lactase. Os sintomas são, principalmente, gastrointestinais: gases, diarreia, cólicas e distensão abdominal”, explica.
Já as DIIs são outra história: doenças autoimunes, inflamatórias e crônicas que afetam o trato gastrointestinal de forma intensa, com impacto significativo na qualidade de vida. “Elas não são causadas pela ingestão de um alimento específico, mas por uma combinação de predisposição genética, disfunção imunológica e fatores ambientais”, reforça a especialista do IESVAP | Afya.
O perigo do autodiagnóstico

É cada vez mais comum ver pessoas eliminando grupos alimentares da dieta sem orientação médica, acreditando estarem lidando com uma intolerância. No entanto, esse hábito pode mascarar problemas mais graves. “O principal risco é a subestimação de uma doença grave. Muitas vezes, os sintomas iniciais de DII (diarreia, dor abdominal, urgência evacuatória) podem ser confundidos com intolerâncias. Ao se autodiagnosticar, a pessoa pode demorar a procurar um especialista, não receber o tratamento adequado e agravar o quadro”, alerta Nayze.
E mais: a retirada indiscriminada de alimentos pode levar a deficiências nutricionais e piora na qualidade de vida, criando um ciclo prejudicial.
Sinais de alerta: quando é mais do que intolerância
Certos sintomas devem funcionar como “red flags”, ou sinais vermelhos de que algo mais sério pode estar acontecendo:
• Perda de peso inexplicada
• Sangue ou muco nas fezes
• Febre recorrente
• Anemia sem causa aparente
• Fadiga intensa e persistente
• Dor abdominal severa e frequente
• Histórico familiar de Doença Inflamatória Intestinal
“Se algum desses sinais estiver presente, é fundamental procurar um gastroenterologista”, enfatiza a patologista.
Diagnóstico e tratamento: o caminho da clareza
Apesar do medo que o nome possa causar, tanto as intolerâncias quanto as DIIs podem ser controladas com o diagnóstico correto e acompanhamento adequado.
No caso da intolerância alimentar, a recomendação é clara: “Não tem cura, mas o controle é simples: evitar ou reduzir o alimento causador. Em alguns casos, como intolerância à lactose, pode-se usar suplementos enzimáticos”, detalha Nayze.
Já as Doenças Inflamatórias Intestinais exigem um olhar mais cuidadoso e tratamento de longo prazo. “Não têm cura, mas podem ser controladas com medicamentos, mudanças no estilo de vida e, eventualmente, cirurgia. O objetivo é induzir e manter a remissão da inflamação, prevenindo complicações”, explica.
O diagnóstico, nesse caso, também é mais complexo, podendo incluir colonoscopia com biópsia, exames de sangue, fezes e imagens como tomografia ou ressonância.
Informação é cuidado
Em tempos de internet veloz e conselhos em vídeos de 30 segundos, lembrar da importância da orientação profissional pode ser o diferencial entre bem-estar e sofrimento prolongado.
Fonte: IESVAP-Afya