247 – O capital estrangeiro não tem limites. Em mais um capítulo do forte lobby que sofre do capital estrangeiro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) vem sucumbindo a pressões para subverter a Constituição Federal de 1988 e passar para mãos estrangeiras o controle de mais infraestruturas construídas com recursos da população brasileira.

Os novos critérios – de pressão, diâmetro e extensão – extrapolam a alçada da autarquia e invadem as fronteiras de tomada de decisão dos estados em quase todas as regiões do País, inclusive Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, entre outros. Na prática, o controle de mais de 3000 quilômetros de gasodutos de distribuição já construídos com tarifas pagas por consumidores brasileiros passaria para mãos de grandes corporações estrangeiras.
As novas regras atingem em cheio o direito dos consumidores e beneficiam claramente acionistas estrangeiros de duas empresas que fazem o transporte de gás em gasodutos interestaduais construídos pela Transpetro (subsidiária da Petrobras) com dinheiro do contribuinte brasileiro.
Se emplacada, a resolução da ANP na prática atropela um fundamento constitucional. A Carta Magna deixa bem claro de quem é a competência sobre o setor: ANP tem autoridade regulatória sobre exploração, produção e transporte por gasodutos; já os governos estaduais mandam sobre as redes de distribuição, que atendem ao consumidor final.
Quem ganha e quem perde com a resolução da ANP?
Quem ganha com isso são os novos donos desses ativos privatizados pela Petrobras sob os governos Temer e Bolsonaro:
• Engie – multinacional francesa que encerrou o ano de 2024 com ativos calculados em € 189.540 milhões e que tem o controle da Engie Brasil, acionista majoritário da TAG, transportadora que tem participação minoritária da CDPQ (Caisse de dépôt et placement du Québec), instituição financeira canadense que faz gestão de fundos de pensão e seguros do Quebec.
No Brasil, esse capital estrangeiro vem faturando alto com NTS e TAG. Em 2024, a NTS registrou um EBITDA [Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] de R$ 6,5 bilhões, com margem de 92% a 93%, de acordo com a Fitch Ratings.
Já a TAG teve um EBITDA ajustado de aproximadamente R$ 7,6 bilhões, também segundo estimativas da Fitch Ratings. É uma rentabilidade astronômica, totalmente acima dos padrões do setor de infraestrutura – provento que vão para os bolsos dos acionistas no Canadá e na França.
Grande parte desses bilhões vêm de contratos dados de mão beijada pelo comando da Petrobras sob o governo Temer.
Quando arquitetou a privatização desses ativos, a Petrobras topou pagar pelo teto o valor dos contratos que mantinha com sua subsidiariaTranspetro, independentemente de fazer uso ou não da capacidade dos gasodutos.
Com essa artimanha, o governo Temer garantiu a máxima rentabilidade dos compradores jogando parado. Pior: esses contratos legados foram a desculpa recorrente da ANP para não exigir a revisão tarifária dessas transportadoras.
A maior aberração é que o Brasil já pagou, nas tarifas, os investimentos feitos há mais de 10 anos e desde que assumiram o controle das empresas, os acionistas estrangeiros não investiram em novos gasodutos. Em linguagem de mercado: essas empresas são apenas geradoras de caixa para acionistas estrangeiros.
Resumo da ópera: além de pagar duas vezes por gasodutos construídos pela Transpetro (subsidiária da Petrobras), o consumidor ainda poderá ver a expropriação de ativos pertencentes aos Estados para beneficiar empresas estrangeiras, que desde a Nova Lei do Gás saíram do regime de concessão.
Na real, a decisão da ANP pode seguir sustentando um modelo pernicioso para o interesse do País: servindo para remunerar o capital estrangeiro, inclusive os aposentados no Canadá, enquanto os brasileiros mal conseguem se aposentar.
O imbróglio deve ir à discussão no Congresso Nacional. Do lado das transportadoras, elas estarão fortemente assessoradas. O ex-diretor da ANP, José Cesário Cecchi, indicado para o cargo na autarquia em 2017 pelo governo Temer, é consultor delas.
Medida da ANP atropela programa do governo Lula
A ANP está atropelando um processo iniciado no governo Lula. Em agosto de 2024, Lula assinou o decreto do programa Gás para Empregar com os objetivos de criar condições para aumentar a oferta de gás natural no país e diminuir o preço ao consumidor final.
O governo mira em várias frentes. Uma delas é a harmonização das regulações federais e estaduais, exatamente para pactuar soluções de consenso e evitar eventuais conflitos entre agências reguladorassurgidos com a aprovação da Lei nº 14.134/2021(chamada de “Nova Lei do Gás”), sancionada por Bolsonaro em 2021.
Outra iniciativa do governo Lula é atacar a falta de competitividade nos processos de produção, escoamento e transporte de gás. Um estudo do Ministério de Minas e Energia mapeou os gargalos dos elos da cadeia produtiva sob competência da ANP.
Esse raio X apontou que, descontando o investimento já amortizado em infraestrutura, o valor cobrado ao consumidor poderia despencar de US$ 16,10 por milhão de BTU para US$ 6,71.
Só no elo do transporte, o custo poderia cair pela metade – US$ 2,10 para US$ 1. Isso significa que o consumidor está repassando seu dinheiro para pagar a investimentos já amortizados. Ou seja, o consumidor está pagando duas vezes.