A Associação Piauiense das Defensoras e Defensores Públicos (APIDEP) manifesta sua indignação em relação à aprovação da Lei Complementar Estadual nº 304, de 30 de agosto de 2024, pela Assembleia Legislativa do Piauí (ALEPI). A lei autoriza o uso de recursos públicos para remunerar profissionais admitidos sem concurso público para prestação de serviços de assistência jurídica à população carente.
De acordo com o presidente da APIDEP, Jeiko Leal, a nova legislação representa um grave retrocesso no acesso à justiça, especialmente para os mais vulneráveis. “A nossa Constituição é clara: a Defensoria Pública é a única instituição que pode ser remunerada com recursos públicos para defender a população que não tem condições de pagar pelos serviços jurídicos. Permitir que recursos sejam usados para pagar profissionais que não prestaram concurso público é um retrocesso para toda a categoria e para a sociedade”, afirma Leal.
Em nota divulgada pela associação, a APIDEP argumenta que a lei também fragiliza o modelo público e constitucional da Defensoria Pública, que, além de atuar na defesa judicial, trabalha na prevenção de litígios, na educação em direitos e na defesa extrajudicial e coletiva de grupos vulneráveis. A entidade pontua também que, ao invés de desviar recursos para um modelo suplementar e provisório, uma saída mais viável para o modelo atual seria investir no fortalecimento orçamentário e estrutural da Defensoria Pública para expandir sua atuação e garantir a efetividade no atendimento à população.
Confira na integra a nota:
NOTA PÚBLICA
A Associação Piauiense das Defensoras e Defensores Públicos (APIDEP) manifesta indignação quanto à entrada em vigor da Lei Complementar Estadual nº 304, de 30 de agosto de 2024, que representa verdadeira precarização do serviço de assistência jurídica integral e gratuita à população vulnerável do Piauí.
A Constituição Federal determina que o Estado preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Estabelece a legislação que tal serviço será realizado e remunerado pelo Estado, deixando claro ser a DEFENSORIA PÚBLICA, DE FORMA EXCLUSIVA, a instituição que desempenhará referida tarefa. Não por acaso o Congresso Nacional aprovou, em 2009, a Lei Complementar nº 132, a determinar que “a Assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública” (§ 5º do art. 4º da LC 132/09).
O Legislador Federal não somente cumpriu o mandamento constitucional estabelecido no art. 134 da Carta Magna, mas previu também que o custeio público dessa garantia há de ser direcionado à Defensoria Pública, isso porque o serviço prestado por defensores públicos é mais adequado e eficiente para a população. Afinal, a atuação do defensor público não se limita ao processo judicial. Seu atuar começa mesmo antes da eventual propositura de uma ação judicial, ao priorizar a conciliação e a mediação, prevenindo delongas processuais e gastos públicos maiores, inclusive com orientação preventiva e na defesa extrajudicial ou coletiva de grupos de pessoas carentes. Também atua na educação em direitos, contribuindo para o fortalecimento da cidadania. Tudo isso está na Lei Complementar Federal nº 80, de 1994, que é a Lei Nacional da Defensoria Pública.
A Lei Complementar Estadual nº 304/2024, de maneira diversa, institui modelo suplementar de assistência judiciária, destinando recursos públicos para pagamento de profissionais admitidos sem concurso público, além de afastar da gestão dos recursos destinados a tal modelo, a Instituição criada pela Constituição Federal de 1988 para prestar, de modo universal e integral, tal serviço.
Se é certo que a Defensoria Pública do Estado do Piauí não tem hoje a capacidade de atender toda a demanda pelo serviço, isso é corrigido com o investimento na instituição, não com a fragilização do modelo público. O fortalecimento orçamentário da instituição, a fim de possibilitar o cumprimento do mandamento constitucional de atendimento integral da população vulnerável, a defesa e a promoção dos direitos humanos e a educação em direitos é ponto sempre defendido pela APIDEP.
Portanto, qualquer modelo suplementar de dativos deve ter como premissas o caráter de provisoriedade/transitoriedade e a efetiva garantia de que a Defensoria Pública tenha protagonismo na gestão do fundo, pontos sempre defendidos pelas associações de Defensores Públicos de todo o país. Até a presente data, o motivo que impedia a ampliação do quadro de pessoal da Defensoria Pública era a questão orçamentária. Esse motivo, porém, já não subsiste, pois, a Lei Complementar nº 304 destina percentual sobre os valores pagos a título de emolumentos aos serviços notariais e de registro para pagamento da advocacia dativa, não havendo dúvidas de que tais recursos são mais do que suficientes para a ampliação da atuação da Defensoria Pública, que conta com um concurso público para o cargo de Defensor (a) vigente e com dezenas de aprovados (as).
Por tudo isso, Associação Piauiense das Defensoras e Defensores Públicos manifesta sua firme oposição ao modelo de dativos tal como instituído no Estado do Piauí pela Lei Complementar nº 304, de 30 de agosto de 2024, ao tempo em que afirma seu compromisso inegociável de continuar lutando pela afirmação do modelo constitucional e público de assistência jurídica.