A presença da facção criminosa venezuelana Tren de Aragua em território brasileiro deixou de ser pontual e passou a configurar um fenômeno de expansão silenciosa e brutal. Segundo uma reportagem os sinais da atuação do grupo vão desde a prisão de um de seus integrantes em Santa Catarina até a descoberta de cemitérios clandestinos em Roraima, revelando o alcance nacional da facção.
Apesar de negar envolvimento no homicídio, Perez admitiu ser usuário de drogas, mas afirmou que a balança não era dele. A defesa contesta qualquer relação com o crime. A vítima, de 16 anos, foi encontrada às margens do rio Branco com as mãos amarradas e perfuração no pescoço. O adolescente vivia em um dos acampamentos da Operação Acolhida, programa do Exército brasileiro de interiorização de refugiados venezuelanos.
O delegado ainda alerta para a facilidade com que criminosos podem entrar no Brasil. “Eles podem entrar [no Brasil] e ‘nascer’ novamente. Entram no território brasileiro com nomes verdadeiros ou com nomes falsos, e aqui é como se não tivessem absolutamente nenhum registro [criminal] formal”, disse.
A facção Tren de Aragua é hoje considerada a maior organização criminosa da Venezuela. Com registros de atividade também em Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Estados Unidos, o grupo tem origem em um sindicato de trabalhadores ferroviários fundado em 2005, mas se consolidou em 2013 no presídio de Tocorón, próximo à capital Caracas, sob a liderança de Héctor Rustherford Guerrero Flores, conhecido como “Niño guerrero”, atualmente foragido.
Em novembro de 2023, um cemitério clandestino foi descoberto em área de mata na capital roraimense. Nove corpos — cinco de mulheres — foram encontrados e todos foram identificados como venezuelanos. Segundo o delegado Oliveira, as mulheres exploradas sexualmente são obrigadas a cumprir metas de pagamento. Aquelas que não alcançavam o pagamento estipulado eram mortas para dar exemplo às demais. O mesmo destino, afirmou, é reservado a quem denuncia a facção às autoridades.
Alianças perigosas com o crime organizado brasileiro – A expansão do Tren de Aragua também envolve uma conexão estratégica com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). O controle da fronteira por Pacaraima, em Roraima, é a principal vantagem logística da facção. Em depoimento durante um julgamento, o delegado Leonardo Cruz Barroncas afirmou que drogas e armas são transportadas por “trouxeiros” — homens e mulheres que carregam os materiais ilegais em trilhas pela floresta.
O fluxo inclui fornecimento para Manaus e para o Rio de Janeiro. Parte das armas e drogas também chega aos garimpos ilegais na Amazônia, como aponta a prisão de Antonio José Cabrera, de 40 anos, em Mucajaí (RR). Cabrera e seu irmão, Daniel, ambos presos, são apontados como membros de alto escalão do Tren de Aragua no país. A defesa, no entanto, afirma que Antonio é alvo de perseguição policial desde 2022.
O assassinato de Gregori José del Nazareth Puerta Alvarez, que teria abandonado o Tren para trabalhar para o PCC, é atribuído a Cabrera. A polícia afirma que o homicídio foi encomendado pelo grupo. A defesa nega e contesta as acusações.
Segundo Oliveira, a facção não se prende a alianças exclusivas: “essa facção passou a se ligar ao CV e ao PCC, sem escolher um lado”.
Reconhecimento internacional – Diante da sua periculosidade, o governo dos Estados Unidos classificou o Tren de Aragua como organização terrorista no início de 2025. A medida serviu de base para a deportação de mais de 200 venezuelanos presos em El Salvador, suspeitos de ligação com a facção.
A expansão do grupo para outros estados brasileiros — São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul — é vista com preocupação por autoridades, e a prisão de Perez em Santa Catarina é considerada um novo indício de que a facção já estabeleceu células operacionais fora da região Norte.