Duas em cada cinco crianças em situação de vulnerabilidade social no Brasil estão matriculadas em creches. Isso significa que das 4,5 milhões de crianças de 0 a 3 anos que estão em grupos considerados mais vulneráveis e deveriam ter o direito a creche priorizado, menos da metade, 43%, ou cerca de 1,9 milhão, de fato têm acesso a esse serviço. Cerca de 2,6 milhões ainda estão fora da educação infantil.
Os dados são do chamado Índice de Necessidade de Creche Estados e Capitais (INC), uma ferramenta criada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com a Quantis, para apoiar o planejamento de políticas de acesso a creches.
O estudo considera em situação de vulnerabilidade as crianças de famílias em situação de pobreza, de famílias monoparentais, famílias em que o cuidador principal é economicamente ativo ou poderia ser, caso existisse a vaga, e de famílias com crianças com deficiência. Os cálculos utilizam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos ministérios da Educação e Saúde.
De acordo com a pesquisa, entre as crianças em situação de pobreza, que totalizam 1,3 milhão no país, a maior parte, 71,1%, não frequenta a creche, o equivalente a 930 mil crianças.
Entre o total de crianças filhos de mães/cuidador economicamente ativas, que totalizam 2,5 milhões no Brasil, 48,9%, ou 1,2 milhão não estão matriculadas na creche.
“A gente vê [essas informações] com bastante preocupação, que apenas cerca de duas a cada cinco crianças desses públicos prioritários estão frequentando a creche”, diz a gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Karina Fasson. “Quando a gente olha para o público em situação de pobreza, o cenário é ainda pior, mais de 70% não frequentam a creche. Isso revela bastante também as desigualdades no país”.
Estados e municípios
A pesquisa traça ainda um panorama de como está o acesso às unidades de ensino nos estados e capitais. Entre os estados, Roraima apresenta o maior percentual de crianças em situação de pobreza fora das creches: 95,4% de 9.963. Já São Paulo é o estado com o maior percentual de atendimento a crianças em situação de pobreza, com 54,7% das 120.630 crianças frequentando as creches.
Entre as capitais, 20,7% das crianças dos grupos prioritários de Campo Grande estão fora, contra apenas 1,4% em João Pessoa.
Motivos
Entre os motivos apontados para que as crianças não estejam matriculadas está a escolha dos responsáveis no caso de 1.460.186. Elas correspondem a 56% das que vivem em situação de vulnerabilidade.
Outras 191.399 – aproximadamente 7,6% dos grupos prioritários que não estão matriculadas – não frequentam a educação infantil porque não têm creche na localidade em que vivem ou a unidade fica distante. Para 238.424, ou cerca de 9,5%, o motivo é a falta de vagas.
“A gente têm famílias que preferem não colocar crianças muito pequenas na creche, crianças com menos de um ano, por exemplo. Então há essa escolha pelos cuidados e pela educação no meio familiar, mas a gente sabe também que existe ainda um desconhecimento sobre a importância dessa etapa e mesmo sobre o direito a uma vaga no sistema público”, diz Karina.
Ela chama a atenção para as crianças que não estão matriculadas por falta de vagas e para a necessidade de o Poder Público ofertar creches de qualidade, sobretudo para a população mais vulnerável. Pela legislação vigente, cabe aos municípios a oferta da educação infantil.
“A gente vê a necessidade de um planejamento dessa expansão pelo poder público”, diz. “É preciso planejar a expansão de vagas, seja pela construção de novas unidades, seja a partir de parcerias com setor sem fins lucrativos. É preciso que os municípios contem, dentro do Pacto Federativo, com a parceria com os governos estaduais, com o governo federal, por meio do Ministério da Educação, para poder pensar nas possibilidades de expansão de vagas”.
Karina ressalta a importância das creches, não apenas como espaços de cuidado, mas como locais de aprendizagem, que contribuem para o desenvolvimento adequado das crianças, além de ser um direito da população.
“A primeira infância é uma fase decisiva para o desenvolvimento humano. É a fase da vida em que a gente estabelece o maior número de conexões cerebrais. Ao final da primeira infância, aos 6 anos de idade, uma criança já tem 90% das suas conexões cerebrais estabelecidas e para que isso aconteça de maneira saudável é preciso que receba os estímulos adequados. Uma educação infantil de qualidade também é um componente importante para esse desenvolvimento, essa aprendizagem saudável”, defende.
Creches no Brasil
No Brasil, todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos devem estar matriculados na escola, conforme a Emenda Constitucional 59/09.
A creche não é uma etapa obrigatória, e as famílias podem optar por matricular as crianças, mas é dever do poder público oferecer as vagas que são demandadas. Isso ficou ainda mais claro em 2022, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar a obrigatoriedade da oferta de ensino também para creches. Até então, os municípios podiam negar a matrícula alegando falta de vagas.
Além disso, o país precisa cumprir o Plano Nacional de Educação (PNE), lei que estabelece metas para serem cumpridas na educação infantil a pós-graduação, até o final de 2025. Pela lei, o país deve ter matriculadas nas creches 50% das crianças de até 3 anos. Atualmente, são 37,3%.
AGBR