
A disputa pelo Box 43, no Centro Mestre Dezinho, expõe um conflito maior: de um lado, a preservação histórica defendida pela gestão; do outro, artesãos que temem perder renda e visibilidade após décadas de dedicação ao espaço.
A reforma do Centro de Artesanato Mestre Dezinho, em Teresina, tem gerado divergências entre a Superintendência de Desenvolvimento do Artesanato Piauiense (SUDARPI) e artesãos que utilizam o espaço. Enquanto a gestão defende a revitalização do prédio histórico e a transformação do local em polo turístico e cultural, parte dos trabalhadores afirma estar sendo prejudicada com as mudanças.
O superintendente da SUDARPI, Ícaro Machado, explicou que o Box 43, foco principal do conflito, foi solicitado para dar lugar a um espaço de preservação da memória. O prédio, que já funcionou como sede da Polícia Militar, chegou a ser usado como porão de tortura durante a ditadura militar. Segundo ele, isso justifica a adaptação da sala como ponto de visitação histórica.

“É um ambiente de interesse público, histórico e turístico. O lojista foi informado por escrito e oferecemos um espaço ao lado para que não houvesse prejuízo no fluxo de clientes”, disse Ícaro, acrescentando que não houve imposição de saída forçada.
Outro ponto em debate é o fim do estacionamento interno. A proposta da gestão é substituir a área por uma praça e espaço de convivência. “Hoje, os carros geram poluição visual e impedem atividades culturais. O turista geralmente não vem de carro próprio, mas de ônibus, táxi ou aplicativo. Acreditamos que a mudança vai ampliar a atratividade do espaço”, completou o superintendente.
Voz dos artesãos

Do outro lado, artesãos expressam insatisfação. O escultor em madeira Paulo Fernandes dos Santos, conhecido como Pelicano, de 78 anos, afirma que as mudanças reduziram oportunidades de venda.

“Hoje não tem mais feira, não tem freguês. O Programa do Artesanato virou só fachada, um cartão postal. Estão querendo até acabar com o estacionamento, mas quem estaciona aqui também é cliente. Derrubaram o palco, tiraram a parte cultural. Eu produzo, mas não consigo vender”, desabafou o artesão, que atua há mais de 50 anos no setor.
Pelicano também criticou a dificuldade de diálogo com a direção e disse que muitos colegas têm medo de se manifestar por receio de represálias.

Outro personagem central no impasse é o artesão Carlos Oliveira, que ocupa o Box 43 há quase seis décadas. Ele lembra que aceitou o espaço quando ninguém queria utilizá-lo, por ser considerado impróprio, e foi transformando-o em referência cultural. “Fomos limpando, ajeitando, e o espaço se tornou um ponto de memória. Já recebi aqui a Comissão da Verdade, além de personalidades como Leonardo Boff e até o ex-presidente José Sarney. Querem nos retirar daqui para instalar uma biblioteca, mas existem outras salas ociosas. Por que justamente a nossa, que guarda história e garante sustento de famílias?”, questiona.
Ao lado de Carlos, a artesã Conceição Oliveira, sua esposa, ressalta que o box também tem papel turístico. “Nós dois somos guias de turismo. Nosso espaço não é só de venda, é de recepção, informação e memória. Tirar isso daqui é um golpe contra a cultura piauiense”, afirma.
Memória e futuro em disputa
Enquanto a gestão reforça que as mudanças priorizam “o interesse coletivo e a valorização da memória histórica”, artesãos como Pelicano e Carlos denunciam falta de espaço, de clientes e de diálogo. O impasse segue em aberto e deve ser pauta de novas reuniões entre a Superintendência e os lojistas.