A identidade visual criada pela obra do artista plástico Francisco Galeno se mistura com a arquitetura monumental da capital do país. Espalhadas por galerias, embaixadas, espaços culturais, igrejas e pontos turísticos no Brasil e em cidades, como Nova York e Paris, as criações de Galeno tiveram origem nas vivências em Brazlândia, onde cresceu e passou boa parte da vida.
A reporta

gem visitou a região administrativa e traz memórias de quem conviveu e participou da evolução artística e pessoal do piauiense de Parnaíba, nascido em 1956. A família do artista se prepara para criar uma fundação com o nome de Galeno, uma vontade que ele expressou ainda em vida.
“A fundação será voltada para cultura e para crianças. A alma dele era de menino, ele sempre gostou de crianças, tem muitos filhos e netos e isso sempre refletiu na arte dele. A cultura e a arte começam no berço. O que ele queria era influenciar o máximo possível de crianças e jovens a entender a importância da arte de criar”, conta o arquiteto e urbanista João Galeno, 35 anos, um dos seis filhos do artista.
Em seus últimos anos de vida, o Galeno estava morando em Parnaíba, cidade onde nasceu e onde mantinha um ateliê. De lá, enviava obras de arte para Brasília para que o filho as distribuísse para diversas partes do Brasil e do mundo. “Em várias conversas com meu pai, ele sempre pediu que mantivesse o acervo e que nada fosse desfeito. Nós manteremos a memória dele viva. O acervo que está em Parnaíba será trazido para Brasília para ser cuidado e preservado”, destaca João Galeno, que assessorava o artista.
“Perdi meu pai e meu melhor amigo. Nossa relação era muito próxima, era de conversar todos os dias. Sempre resolvia as coisas para ele, fazia de tudo para ajudá-lo de todas as formas”, relembra João. “Ele vai fazer muita falta para todos aqui, em Brazlândia, que era um dos berços de criação dele.
Caçula dos seis filhos de Francisco, a fotógrafa e arquiteta Kalu Galeno, 33, lembra com carinho do pai. “Eu sou a única filha e a gente tinha uma relação muito bacana. Comecei a gostar de Brasília por causa do meu pai”, recorda Kalu, nascida em Brazlândia e moradora da cidade até hoje. “Viver aqui é revisitar diariamente a memória e o espírito dele. Ele construiu uma relação de emoção e afetividade com todos os espaços da cidade”, acrescenta.
A paixão de Kalu pela fotografia e pela arquitetura foi herdada do pai. “A gente sempre teve a presença da arte na nossa vida, desde a infância. Minha mãe é professora de artes e o meu pai um grande artista. Ele sempre nos levou para exposições e lugares diferentes”, conta. “Tínhamos esse contato muito próximo com várias manifestações artísticas e nós filhos acabamos trazendo isso para nossas profissões e para nossas vidas. Todos nós temos uma veia criativa muito forte, graças a ele. E estamos transmitindo aos nossos filhos todas essas lembranças e todo esse legado. É muito gratificante saber que a obra dele tocou o coração de muita gente”, completa.
Além dos filhos, o artista deixou três netos e o pai, Artur Carvalho, de 96 anos. Com conhecimento profundo da arte da marcenaria, durante boa parte da trajetória de Francisco Galeno como artista plástico, o pai o ajudava a executar a construção das obras de arte. “Sempre que ele me pedia para ajudar a fazer algo, eu estava disposto. Ia comprar madeira com ele, fazia de um tudo”, relembra. “Tudo que ele fazia era com a maior satisfação, tinha prazer em criar as obras dele. Me orgulho em ver que em algumas exposições, ele vendia tudo de uma vez”, comenta.
“Eu senti tanto, eu não estava esperando. Ele era um filho que gostava muito de mim, estava sempre por perto. É difícil acreditar em uma coisa dessas. Mas Deus sabe o que faz”, lamenta o pai.
Amizade
Amante do futebol e jogador amador, Galeno foi responsável por desenhar a camisa do time Brazlândia, um clube com o qual ele tinha uma relação próxima de afeto. “Galeno é sinônimo de simplicidade, de alegria. Nunca o vi triste. Ele vai fazer muita falta para todos os amigos verdadeiros que ele tinha aqui”, ressalta o fundador do time, amigo pessoal do artista e coordenador pedagógico do Centro Olímpico de Brazlândia, Son da Silva. “Era muito bonito o amor que ele tinha pelo Botafogo e pelo Brazlândia. A gente jogava junto às vezes e eu sempre dizia que ele era o atacante dos gols bonitos”, elogia.
Frequentador do conhecido Bar do Neguinho, em Brazlândia, o artista tinha um espaço cativo no coração dos clientes e dos proprietários do local. “Ele vinha sempre ao nosso estabelecimento, foram 30 anos de convivência. Ele tinha uma mesa onde sempre gostava de sentar, próximo à entrada, com vista para a orla”, compartilha um dos proprietários do local, Elias Luiz.
Piauiense de nascença, Galeno era fã da gastronomia nordestina e apreciava comer capote, nome dado para a galinha-d’angola no Piauí. “Depois que ele já estava morando em Parnaíba, sempre que vinha nos visitar, ele me mandava mensagem encomendando um capote ao molho de laranja. Ele era um parceiro nosso, sempre nos respeitou e trazia vários clientes para o restaurante”, lembra Elias. “Sempre tive orgulho de dizer que era amigo de um dos artistas mais conhecidos e renomados em todo o mundo”, enfatiza.
Sentado na mesa onde Galeno gostava de ficar, quando ia ao Bar do Neguinho, o repórter esportivo e amigo pessoal, Osvaldo Batista, relembra do artista com carinho. “Uma das maiores lembranças que tenho dele é a humildade. Ele era um artista imenso, uma pessoa extraordinária. Ele se doava para a cidade e para o mundo”, comenta.
“Mais do que amigos, irmãos”, é como o advogado José Dias descreve a relação com Francisco Galeno. “Nossa amizade data de 1965 e perdurou. Ele era uma pessoa sempre aberta, sorridente, comunicável, estava sempre disposto a ajudar. Além do dom artístico que era uma coisa fantástica”, elogia. “Brazlândia acabou se tornando conhecida até internacionalmente muito por causa da arte de Galeno”, recorda.
José Dias lembra que, na maioria das embaixadas do Brasil espalhadas pelo mundo, há trabalhos de Francisco Galeno. “As obras dele presentes no Palácio do Itamaraty chamavam atenção de diplomatas do mundo inteiro, que acabavam levando e multiplicando o legado dele pelo mundo”, salienta.
O acervo artístico sob a guarda do Itamaraty conta com dois quadros do artista no Brasil, além da escultura Jequi, em Maputo, Moçambique, que foi uma das obras agraciadas com o Prêmio Itamaraty de Arte Contemporânea, em 2010.
Eternizado
Desde 1995, a orla do Lago Veredinha em Brazlândia, cartão-postal da cidade, é ladrilhada com uma obra de arte feita em paralelepípedos com a assinatura de Francisco Galeno. Em 2021, a calçada quase foi removida pelo governo para implementação de um piso de concreto. No entanto, a Secretaria de Cultura recomendou a suspensão da retirada e teve o pedido acatado. À época, Galeno também atuou junto à administração regional para defender a sua obra. “A calçada é um presente que o meu pai deu para a cidade, é um patrimônio daqui”, diz João Galeno.
Ainda em 2021, a Secretaria de Cultura do Distrito Federal iniciou o processo de tombamento da calçada para que se tornasse patrimônio cultural do DF. No entanto, ainda não foi concluído. Com o tombamento, a obra será restaurada de acordo com o projeto original.