
Desde que deixou a presidência, Jair Bolsonaro tem se movimentado politicamente dentro e fora do Brasil para manter sua base mobilizada, defender-se das investigações judiciais e sustentar uma narrativa de perseguição. A tática central dessa estratégia é o vitimismo político, associado a uma rede de alianças internacionais com líderes e movimentos da direita populista e da extrema direita. O objetivo parece claro: preservar influência no cenário político nacional e internacional, mesmo à custa das instituições democráticas.
Bolsonaro se apresenta como alvo de uma suposta perseguição judicial e midiática. Essa retórica, comum entre líderes autoritários, transforma ações legais e democráticas, como investigações, condenações e sanções, em peças de um complô contra o “verdadeiro povo”. Ao se colocar como vítima de um sistema corrupto, ele tenta inverter os papéis. De acusado, passa a acusador. Essa narrativa serve para deslegitimar o Judiciário, minar a confiança nas instituições e justificar sua conduta autoritária.
A estratégia vitimista de Bolsonaro não está isolada. Ela é parte de uma rede transnacional da nova direita, que inclui figuras como Donald Trump nos Estados Unidos, Viktor Orbán na Hungria, Javier Milei na Argentina e outros líderes que compartilham valores antiglobalistas, nacionalistas e ultraconservadores. Nos Estados Unidos, Bolsonaro mantém estreitos laços com figuras influentes do trumpismo, como Steve Bannon, que o descreve como parte de um “movimento global pela liberdade”. Esses aliados não apenas fornecem apoio político e simbólico, mas também ajudam a moldar e amplificar a narrativa bolsonarista em escala internacional.
Essa articulação já teve efeitos concretos. Em 2024, congressistas aliados a Trump pressionaram o governo Biden a impor sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro. O deputado Chris Smith, por exemplo, chegou a apresentar um projeto pedindo o cancelamento dos vistos de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, acusando-os de abusos contra a “liberdade de expressão”. A medida, endossada por grupos conservadores nos EUA, fazia parte de um esforço explícito para proteger Bolsonaro e enfraquecer o sistema judiciário brasileiro. A tentativa foi noticiada por veículos como The Intercept Brasil, Folha de S.Paulo e CNN Brasil.
Outro eixo da estratégia bolsonarista é a mobilização de pautas morais, como a defesa da família tradicional, o combate à chamada “ideologia de gênero” e o uso político da religião. Essas bandeiras são eficazes para manter sua base ideologicamente coesa e emocionalmente engajada, mesmo diante de escândalos ou derrotas eleitorais. A religião, em particular, é utilizada como escudo e arma. Ao se apresentar como defensor dos valores cristãos, Bolsonaro transforma adversários políticos em inimigos da fé. Isso é reiterado por levantamentos como os do Datafolha, que mostram que mais de 65% dos evangélicos votaram nele no segundo turno de 2022.
Embora já não esteja no poder, sua estratégia continua sendo uma ameaça real à democracia. O discurso vitimista não apenas mascara crimes ou desvios de conduta, mas mina a legitimidade do processo democrático, promove desinformação e instiga ressentimento social. O 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, é um exemplo trágico do impacto dessa retórica. Mesmo após os atos antidemocráticos, Bolsonaro se recusou a reconhecer qualquer responsabilidade. Seus seguidores seguem negando a realidade dos fatos, alimentados por uma máquina de desinformação que operou intensamente nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Segundo relatório da CPMI do Congresso, o ex-presidente teve papel ativo no incentivo à narrativa golpista.
A gravidade do envolvimento de Bolsonaro nas tramas antidemocráticas se refletiu em uma decisão judicial inédita. Na sexta-feira, 18 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes determinou que Bolsonaro use tornozeleira eletrônica como medida cautelar, após suspeitas de que ele teria violado restrições impostas em processos que investigam a tentativa de golpe de Estado. A decisão gerou forte reação entre bolsonaristas e aumentou o tom de confronto entre o ex-presidente e o Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, a medida reforça a posição das instituições brasileiras no combate à impunidade, mesmo diante da pressão política e da ameaça de retaliações por parte da direita radical.
A estratégia de Bolsonaro não é nova, nem exclusiva do Brasil, mas sua execução é perigosa. Ao se vitimizar, cercar-se de aliados globais e atacar instituições, ele constrói um caminho para voltar ao poder ou, ao menos, manter-se como figura central da direita brasileira. O alerta está lançado. Resta saber até onde o sistema democrático resistirá, e até onde seus aliados internacionais estarão dispostos a ir.