PITACO DO SOLON
Fui uma das crianças que adorava Sílvio Santos e os produtos lançados por ele na indústria cultural. Incluindo os disquinhos de histórias infantis incrivelmente narradas pelo dono do SBT.
Sempre perto do poder, Silvio recebeu concessão pública para a criação da TVS (depois SBT), ainda no período ditatorial.
Ludicamente consumi o quadro “Semana do Presidente”, narrado por Lombardi. Era uma “pílula” semanal que fazia o culto à personalidade do ditador militar, e depois serviu de puxa-saquismo dos dirigentes civis até a era FHC. O SBT nunca deixou, no entanto, de receber generosíssimas parcelas publicitárias dos diferentes governantes que ocuparam o Palácio do Planalto. Na defesa dos governos da ditadura e de gestões da época dita democrática, e na dependência de verbas do Estado, Sílvio se assemelhava a Roberto Marinho. Mas, enquanto o dono da poderosa Rede Globo mantinha-se um tanto quanto discreto, e encarnava a figura de um magnata odiado pela vanguarda da classe trabalhadora e juventude, Sílvio era muito popular e quase concorreu à presidência da República em 1989. Teria tirado proveito do populismo e da simpatia. Mas a candidatura tinha irregularidades e foi barrada pela justiça eleitoral.
Durante o govermo Bolsonaro, o SBT ensaiou um retorno ao quadro “Hora do Presidente”. Muitas verbas publicitárias estimularam a TV de Sílvio a fazer a defesa do governo da extrema direita. O cargo de ministro das Comunicações dado a um genro, também. Além disso, o empresário demonstrava alinhamento com os preconceitos e opressões da época em que viveu e que ganharam mais peso na era bolsonarista. Ao mesmo tempo, foi o SBT que possibilitou alguma visilibilidade LGBT em programas de TV (Clodovil), ainda que em alguns quadros humorísticos as piadas reforçavam velhos preconceitos.
Muitas foram as tiradas machistas, misóginas e até racistas que saíram da boca do Senor Abravanel nos últimos anos. Por isso, parcela importante da minha geração deixou de nutrir a simpatia que ele soube cultivar quando éramos crianças.
Sílvio Santos morreu, mas a imagem que ele construiu será ressaltada a serviço do sistema capitalista por muitos anos. O capitalismo sempre precisará da ideologia do empreendedorismo, principalmente em tempos de crise. “Na crise se cresce”, aliás, foi o lema do SBT no auge da crise neoliberal no país que levou milhões ao desemprego em miséria. Estimular a resignação social era preciso para que Sílvio continuasse enriquecendo com as vendas feitas através do “Baú da Felicidade”, dentre outros negócios.
Sílvio sempre serviu ao capital, como qualquer outro dono de conglomerados de mídia. A diferença era que ele aparecia como produto de comunicação, como astro da própria TV. Com talento de comunicador, era um burguês que conquistou o coração de muitos milhões e que sabia ter retorno altíssimo jogando cédulas para uma plateia de pessoas pobres. Quem em dificuldades financeiras não se identificava com as pessoas que participavam da “briga” na hora que ele bradava “Quem quer dinheiro?”, ou acertando a resposta no “”Qual é a música?”
Sílvio se foi. Não foi anjo nem demônio. Na luta de classes, não existe bem contra o mal. Em nossa sociedade, existem a burguesia e a classe trabalhadora, com interesses inconciliáveis. Sílvio construiu a imagem de um burguês com simplicidade, como se fosse um amigo dos setores mais pobres da sociedade. Dessa forma, apresentado como um “bom patrão”, também serviu à ideologia de conciliação de classes.
Casos isolados de pessoas que tiveram grande ascensão social como Sílvio Santos são muito úteis para gerar ilusões em nossa sociedade: “Ele foi um pobre que chegou ao topo. Basta trabalhar e acreditar, que todo mundo chega lá”. E assim continuam abertas “as portas da esperança”, alimentando a fantasia do enriquecimento individual ou alguma ascensão social no capitalismo.
Daniel Solon, de Teresina (PI)