Os mais afetados têm entre 40 e 49 anos, mas aqueles acima dos 50 sofrem com os impactos pelo longo período de consumo abusivo
Renata Azevedo, coordenadora do Ambulatório de Substâncias Psicoativas da Unicamp: “Conscientizar a população é fundamental

O alcoolismo é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e progressiva que afeta o corpo e a mente. Segundo a OMS, 3 milhões de pessoas morrem, anualmente, em decorrência do uso nocivo do álcool. No Brasil, apesar do abuso parecer regredir, a mortalidade tem crescido. Novos estudos mostram que a pandemia da covid-19 agravou o problema, sugerem opções de tratamento e revelam mecanismos genéticos associados à questão.

Esse aumento foi sustentado até 2022, com um crescimento contínuo no consumo de álcool. A elevação foi observada em diversas faixas etárias e etnias. O grupo mais afetado foi o de adultos entre 40 e 49 anos, que passaram a ingerir mais bebidas alcoólicas.

Situação nacional

Elaine Keiko Fujisao, diretora médica da Neurogram, neurologista, neurofisiologista e membro titular das academias brasileiras de Neurologia e Neurofisiologia Clínica, destacou que o abuso de álcool prejudica a estrutura do cérebro e suas funções. “Há uma diminuição da substância cinzenta, que é responsável pelas funções cerebrais, podendo causar prejuízos às funções executivas, memória e atenção. Além disso, prejuízos na coordenação motora são bem conhecidos em alcoolistas pesados, sendo a atrofia cerebelar uma condição frequentemente associada”.

Na outra mão, estudos mostram avanços no tratamento do transtorno. Recentemente, uma pesquisa da Universidade da Finlândia Oriental e do Instituto Karolinska, na Suécia, revelou novas esperanças. O ensaio investigou os efeitos de medicamentos usados contra diabetes e obesidade, como semaglutida e liraglutida, sobre o transtorno do uso de álcool.

Os resultados revelaram que essas drogas, conhecidas como agonistas do GLP-1, foram associadas a uma redução significativa nas hospitalizações de pessoas alcoólatras. A semaglutida diminuiu o risco em 36%, enquanto a liraglutida mostrou uma eficácia de 28%.

De acordo com Markku Lähteenvuo, as drogas além de reduzirem as hospitalizações relacionadas ao abuso da substância, minimizaram as internações por outros problemas relacionados ao uso de substâncias e até mesmo por doenças físicas gerais. Essas descobertas sugerem que os agonistas do GLP-1 podem ter um papel importante no tratamento do transtorno de uso de álcool, embora mais pesquisas sejam necessárias para validar esses resultados em ensaios clínicos randomizados.

Negros são as principais vítimas

Recentemente, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) divulgou o 6º panorama sobre álcool e saúde dos brasileiros. Conforme a publicação, a população negra é a que mais perece em decorrência do uso de álcool no país, chegando a 10,4 mortes a cada 100 mil habitantes, uma taxa 30% maior em relação aos brancos.

Conforme a edição, em 2023, houve 27 internações por 100 mil habitantes, metade do observado em 2010. No entanto, apesar da diminuição nas hospitalizações, a prevalência de óbitos aumentou de 3% para 6% no mesmo período. De acordo com os resposáveis pela pesquisa, esse aumento pode estar relacionado ao número crescente de internações de pessoas em quadros graves.

A maioria dos pacientes hospitalizados em decorrência do uso de álcool no ano passado era formada por homens com idades entre 35 e 54 anos, no entanto, pessoas com 55 anos ou mais representaram 35% do total, um aumento de 13% em relação a 2010. As principais causas de hospitalizações foram dependência e doença hepática decorrente do alcoolismo, que, juntas, representaram mais da metade dos casos registrados.

Cientistas do Scripps Research, um instituto de pesquisa norte-americano, descobriram que o Alzheimer e o abuso de álcool estão ligados a padrões de expressão genética modificados de forma semelhante no cérebro. Conforme a publicação, feita na revista eNeuro, o achado apoia a teoria de que o uso de álcool pode agravar a progressão da doença de Alzheimer. Segundo os cientistas, ao compreender essas desregulações ao nível molecular, será possível entender melhor essas doenças e identificar alvos terapêuticos no futuro.

Atividades físicas como tratamento

Atividade física é um remédio melhor do que se pensava para pacientes com distúrbios de abuso de álcool. É o que revela um estudo da Universidade Normal Liuhong Zang, na China. A pesquisa, publicada na revista Plos One, mostrou que o exercício não apenas reduz a dependência do álcool, mas ainda melhora a saúde mental e física.

Após uma revisão da literatura científica, os pesquisadores verificaram que os resultados apontaram que as intervenções de exercícios têm um impacto positivo significativo na redução do consumo de álcool e na melhoria da saúde mental dos participantes dos estudos avaliados. Segundo os pesquisadores, a variação cultural no contexto do vício também foi mencionada como um fator importante.

Conforme João André Sampaio, psiquiatra pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a prática de atividade física oferece diversos benefícios no tratamento e na prevenção do alcoolismo, tanto do ponto de vista fisiológico quanto psicossocial. “Pesquisas mostram que sessões curtas de exercícios aeróbicos podem reduzir imediatamente o desejo de consumir álcool, além de diminuir estados de humor negativo e ansiedade. Esses benefícios foram observados tanto durante quanto após a prática do exercício, sugerindo que a atividade física pode ajudar a regular emoções que frequentemente desencadeiam recaídas em pessoas com distúrbios de alcoolismo”.

Palavra de especialista

“A rede de cuidados tem um papel muito importante. Quero destacar a função dos serviços de emergência, que frequentemente atendem pessoas com transtornos por uso de bebidas alcoólicas em quadros agudos. Esses momentos são janelas de oportunidade para encaminhá-las a um tratamento posterior. Coordeno um ambulatório dentro do hospital de clínicas onde atendemos pessoas com dependência de álcool. Há intervenções preventivas, que visam evitar que o uso de álcool se instale durante a juventude. Um segundo grupo de medidas busca impedir que o uso iniciado se torne problemático. Isso envolve uma série de intervenções, incluindo a importância de informar à população sobre os danos associados ao uso de álcool.”

CORREIOWEB

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