Adrián Albala —professor do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Observatório do Congresso/UnB; Evelyn Apolinaria, Yasmin Tamburini e Vitória Leite — membras do Observatório do Congresso/UnB
A aprovação da PEC 3/2021, dita da blindagem, representa mais uma derrota institucional para o governo e a Presidência e evidencia um constante e crescente desequilíbrio de forças entre o Executivo e o Congresso — em particular, com a Câmara dos Deputados.

De fato, nos últimos anos, podemos observar um novo padrão no relacionamento institucional entre os Poderes que, talvez, os líderes não consigam identificar nem manejar com as tradicionais ferramentas de governabilidade. O Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados, amplia o seu espaço no jogo político, conseguindo aprovar matérias impopulares e sem nenhum apoio na sociedade, como é o caso da PEC da Blindagem, como forma de mostrar seus músculos e pressionar os demais Poderes.
A clássica barganha de cargos por votos tem perdido espaço para esse Legislativo que expandiu a própria participação nas decisões orçamentárias, tradicionalmente atributos exclusivos do Executivo. Como consequência, o Governo Lula III enfrenta o desafio de garantir a aprovação de suas pautas, mas não parece obter o mesmo sucesso dos mandatos anteriores: no primeiro mandato de Lula, a dominância média do Executivo era de 61,7% e no segundo, 43,6%. Já no terceiro mandato, a média está em 34%. Esse cenário de queda da participação e derrotas do Executivo é uma tendência verificada desde o governo Temer.
A PEC da Blindagem não é um episódio isolado, mas parte de uma trajetória do sistema político brasileiro no qual o Legislativo busca ampliar seus mecanismos de autoproteção. No campo penal e processual, exemplos anteriores incluem a Emenda Constitucional nº 35/2001, que retirou a necessidade de autorização prévia das Casas para instaurar processos contra parlamentares, mas manteve a possibilidade de sustar sua tramitação, e a manutenção do foro privilegiado mesmo após a restrição imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018. Já no campo orçamentário, as Emendas Constitucionais nº 86/2015 e 100/2019 tornaram impositivas as emendas individuais e de bancada, o que reduziu a discricionariedade do Executivo sobre sua execução, minguando, de fato, as ferramentas de barganha.
Ademais, esse episódio se inscreve em um contexto de crescimento de tensões entre o Congresso e outros Poderes. Partidos têm cobrado posicionamento forte frente ao governo — o União Brasil chamou a retirada de todos os membros do partido ainda presentes no governo, assumindo uma posição de tensão e franca oposição. Contudo, embora corra o risco de ser barrada no Senado devido à sua completa ausência de empenho com a sociedade, essa aprovação é um indicador de força da disposição em adotar outra pauta “bomba”: a PEC da Anistia.
Não apenas o governo está na mira do Congresso. O Judiciário é um dos autores mais afetados pela PEC da Blindagem. Hoje, o STF é responsável por receber denúncias, investigar e julgar os parlamentares, protegidos pelo foro privilegiado.
Com a aprovação da emenda, o poder do STF é reduzido para promover a independência do Legislativo. Mas qual o custo dessa decisão? Deputados e Senadores serão os responsáveis pela aprovação de investigações criminais contra seus colegas, expondo a parcialidade do Congresso e suprimindo um processo de accountability. Como diria Maurice Duverger, o processo de representação deve ser transparente, e esse não será o caso. Essa situação gera um desequilíbrio entre os Poderes, afasta-se de sua natureza harmônica e concebe uma crise de funções entre as instituições.
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