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Nas duas últimas semanas, banhistas de diferentes regiões da Espanha foram surpreendidos por uma criatura marinha pequena e chamativa: o dragão azul (Glaucus atlanticus). Apesar de medir apenas três a quatro centímetros, sua presença obrigou autoridades a interditar praias em quatro ocasiões no auge da temporada turística de verão.
A preocupação tem fundamento: o dragão azul pode provocar queimaduras dolorosas na pele, vermelhidão, náusea, vômito e, em casos mais graves, reações alérgicas. Uma criança chegou a ser hospitalizada nas Ilhas Canárias com suspeita de picada.
Embora não ofereça risco de morte, o contato com o animal exige atenção médica. As autoridades recomendam não tocá-lo nem mesmo com luvas; em caso de acidente, lavar a área com água do mar (não doce), aplicar compressas frias e procurar atendimento.
Dias depois do caso em Guardamar del Segura, o fenômeno se repetiu em Santa Bárbara, em La Línea de la Concepción (Andaluzia), e nas praias de La Garita e Famara, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Em Cádiz, seis espécimes chegaram a motivar o fechamento de uma praia inteira. Houve ainda ocorrências em Valência e, de forma inédita, em Maiorca, onde não havia registros científicos desde 1916.
Esse excesso de cautela pode se dever ao fato de que “até o momento, a presença do dragão azul não é muito comum em nossas águas, e resta saber se se tornará mais frequente daqui para frente”.
Em Guardamar, por exemplo, “faltava meia hora para terminar o turno dos salva-vidas e não sabíamos se havia mais exemplares encalhados ou perto da costa, então ativamos o protocolo e levantamos a bandeira vermelha”, explicou o prefeito José Luis Sáez. O próprio gestor, porém, classificou os episódios como “isolados”.
O Glaucus atlanticus é uma lesma-do-mar da família Glaucidae. Vive em mar aberto, flutuando de cabeça para baixo graças a um pequeno saco de gás em seu estômago. Seu corpo exibe coloração prateada na parte superior – confundindo-se com a superfície – e tons intensos de azul na parte inferior, o que o camufla da luz solar quando visto de baixo. Essa estratégia, chamada de “contra-sombreamento”, dificulta que seja localizado por predadores.
Quando come, ele seleciona as células urticantes mais potentes, e as armazena, ainda ativas, em estruturas chamadas cerata. Na hora de atacar, ele ativa o estoque dessas células urticantes, que também são chamadas de nematocistos, e libera ferroadas dolorosas.
Apesar de ser pequenino e fofo, o dragão azul é um predador eficiente. Sua boca possui uma rádula com dentes serrilhados e mandíbula robusta, capaz de arrancar fragmentos de suas presas. O corpo carregado de estruturas venenosas fez com que a espécie desenvolvesse estratégias singulares para a reprodução – que, aliás, ocorre entre hermafroditas.
O dragão azul distribui-se por águas temperadas e tropicais do Atlântico, Pacífico e Índico. Avistamentos no Mediterrâneo sempre foram raros, com registros esporádicos desde o século 19. Mas essa realidade parece estar mudando.
Pesquisadores associam sua presença mais frequente à elevação da temperatura do mar, que neste verão europeu ultrapassou 28 °C, com anomalias de até cinco graus. O aquecimento do Mediterrâneo tem atraído espécies antes incomuns na região, como a caravela-portuguesa, que serve de alimento ao dragão azul, e até o peixe-leão em Malta.
Para os cientistas, os recentes episódios podem ser um indício de mudanças ambientais mais profundas. “Ainda não sabemos exatamente com o que estamos lidando aqui”, alertou Manuel Ballesteros Vazquez, professor emérito de zoologia marinha da Universidade de Barcelona, ao New York Times. “Mas, dado o aquecimento do Mediterrâneo, não descartamos que nos próximos anos voltemos a enfrentar situações com as quais nunca lidamos”.
Enquanto aguardam respostas, autoridades espanholas seguem em alerta. Monitoramentos de rotina vêm sendo realizados e moradores são orientados a fotografar e notificar avistamentos, sem jamais tocar no animal.