O escândalo das fraudes bilionárias nos descontos em folha de beneficiários e aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são apenas a ponta do iceberg dos problemas existentes no órgão, que tem uma “fila invisível” de 2,4 milhões de pessoas que aguardam respostas dos pedidos feitos à instituição até junho deste ano. Essa fila já foi maior, de 2,7 milhões de pessoas em março, mas ainda é elevada se comparada aos 1,3 milhão de junho de 2024, ou seja, salto de 80,4% ou 1,1 milhão a mais, número considerado “absurdo” por especialistas.
- Advogados reconhecem que problemas e atrasos no INSS são frequentes e, segundo eles, o fato de um órgão público criar entraves para que o cidadão tenha acesso a um direito garantido por lei é uma infração grave de um órgão público e cabe processo contra a União, que pode acabar em novos precatórios (dívidas judiciais).
“Essa demora é uma prática que ocorre em muitos órgãos da administração pública e ela é inconstitucional e ilegal”, alerta o advogado Francisco Zardo, coordenador do núcleo de Direito Público da Dotti Advogados. Segundo ele, além de infringir o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição, que diz que o cidadão tem direito de ser tratado com celeridade pelo órgão público, que deve facilitar e não dificultar a prestação do serviço, o INSS também não tem respeitado a Lei 9784/1999, que rege a administração federal. “O Estado tem que facilitar a vida do cidadão e não dificultar e impor barreiras”, afirma. Ele critica a digitalização dos processos do INSS que fizeram as filas de pessoas sumirem das agências físicas e, com isso, ampliando a “fila virtual ou invisível”.

O especialista em Previdência Social Arnaldo Lima, chefe da área de relações institucionais da Polo Capital, reconhece que a fila invisível do INSS é um “desafio crônico” e medidas recentes, como a volta do bônus para os servidores do órgão agilizarem as revisões de benefícios, previsto na medida provisória aprovada, na quinta-feira, pela Câmara dos Deputados, não devem minimizar o problema. “Ajuda a diminuir a fila, mas não resolve o problema, pois a quantidade de requerimentos aumentou muito sem ter aumentado a quantidade de peritos na mesma proporção”, destaca. Segundo ele, que tem um caso na família aguardando mais de dois anos a avaliação de um pedido, o fato de a fila virtual ter mais de 2,4 milhões de pedidos “é um absurdo”.
Greve
Procurado pela reportagem, o INSS evitou comentar os problemas e ainda criticou o uso do termo “fila invisível” ao afirmar que “seria importante especificar melhor” a situação em questão. A assessoria de imprensa argumenta que os atrasos são resultado da última greve dos funcionários do órgão e evita comentar os problemas que são generalizados. A Corregedoria-Geral da União (CGU), que deveria fiscalizar a administração pública, por sua vez, não deu retorno para comentar o assunto.
Medidas para atenuar o desgaste
O INSS informou, ontem, que devolveu R$ 1,084 bilhão para 1,6 milhão de aposentados e pensionistas que tiveram descontos indevidos em seus benefícios. O escândalo das fraudes no INSS, em abril, revelou um total de até R$ 6,3 bilhões desviados das contas de milhões de aposentados entre 2019 e 2024, por meio de descontos não autorizados.
Para evitar um estrago maior na imagem do órgão, o governo trabalhou para ressarcir os servidores e promete devolver todo o dinheiro desviado. O pagamento está sendo feito de forma integral e com correção pela inflação, direto na conta do segurado.
Arnaldo Lima, da Polo, entende que, para resolver os problemas do represamento da fila do INSS, o Ministério da Previdência precisará adotar uma estratégia “multifacetada e estrutural”. “Um dos pilares dessa estratégia deve ser o fortalecimento do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), tornando-o mais robusto e preciso, de modo a permitir a concessão automatizada de benefícios com maior segurança jurídica e menor necessidade de perícia ou análise manual. Paralelamente, é urgente ampliar os investimentos na Dataprev para aperfeiçoar o funcionamento do aplicativo Meu INSS, melhorando a experiência dos usuários”, afirma.
Outros problemas que precisam melhorar, na avaliação de Lima, são o atendimento, especialmente, para a população com baixa inclusão digital, ampliando acordos de cooperação com entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e com estruturas de entes subnacionais, como o “Na Hora”, em Brasília, ou o “Poupatempo”, em São Paulo.
“Também é importante o aprimoramento do modelo de perícia médica. Em vez de sobrecarregar os peritos com atendimentos presenciais em massa, o INSS deveria estabelecer parcerias com os médicos do Sistema S”, orienta Lima. Ele lembra que, após a reforma da Previdência de 2019, “é natural” o aumento nos pedidos de benefícios por incapacidade, “uma vez que as regras de acesso se tornaram mais rígidas — fenômeno comum em diversos países”.
Precatórios
De acordo com o advogado Francisco Zardo, o aumento dos precatórios nos últimos anos é resultado, principalmente, da má prestação de serviços do Estado, que acaba sendo condenado na Justiça e não cabe mais recurso. Logo, não existem “meteoros”, como o ex-ministro Paulo Guedes costumava falar para justificar a aprovação do calote dos precatórios em 2021. Zardo, inclusive, não poupa críticas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 66/2023, a nova PEC dos Precatórios, que prevê um novo calote nas dívidas judiciais, como ocorreu no governo anterior, e, agora, ampliada para municípios, estados e União.
“A PEC dos Precatórios é um atentado à cidadania. Ela é um atentado do Estado contra o cidadão”, frisa. Ele reconhece que é difícil fazer uma conclusão sobre casos isolados, mas o Ministério Público Federal precisa investigar as crescentes falhas no INSS e no aplicativo, assim como a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que vai apurar a fraude nos descontos indevidos do INSS. O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), autorizou, na semana passada, a instalação da comissão, que deverá ser presidida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM).
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