O número de atendimentos relacionados a transtorno de ansiedade no Sistema Único de Saúde (SUS) cresceu 3.300% entre jovens de 15 a 19 anos, na última década. O dado é do Ministério da Saúde. Segundo o órgão, crianças entre 10 e 14 anos também sofreram com o transtorno, com um aumento de 2.500% nas notificações do governo.
Em 2014, foram 1.534 atendimentos para os jovens feitos no SUS relacionados à ansiedade. No ano passado, a proporção aumentou consideravelmente, com 53.514 registros no sistema. Para crianças (10 a 14), o número saltou de 1.850 para 24,3 mil em 2024.
O estudo apontou que, desde o início da análise, houve um aumento de mais de 1 ponto percentual no número de internações. Em 2022, a média era de 3,4 internações para cada 100 mil habitantes. Em 2024, subiu para 4,6 — sendo a maioria entre jovens.
O psicólogo clínico Saulo Maciel explica que um dos principais fatores que podem levar ao aumento do transtorno de ansiedade em crianças e adolescentes é o sedentarismo. “As gerações recentes são significativamente mais sedentárias do que as anteriores. Há uma correlação muito bem consolidada na literatura entre nível de ansiedade física e sintomas relacionados à saúde mental. Então, no caso da ansiedade, isso é especialmente verdadeiro”, afirma.
“O exercício físico regular funciona como um ansiolítico, funciona como um antidepressivo. De forma geral, a gente tem bem consolidado que o exercício é um fator protetor, ou seja, é algo que diminui a probabilidade da incidência de um transtorno mental acontecer”, completa o especialista.
Maciel também destaca que o uso excessivo de celulares é um grande fator de ansiedade para jovens, devido aos estímulos constantes.
“As crianças têm acesso simplificado e constante a algo que vai trazer conforto, elas não lidam com o mínimo de tédio, nem mesmo com microtédio. Eles não aprendem a lidar com estados desconfortáveis de existir, como ansiedade, tristeza, frustrações, que são emoções comuns”, diz. “Essa é uma possível explicação para o aumento de transtornos ansioso. Quanto mais tempo de tela, maior a probabilidade do aparecimento de sintomas de ansiedade”, completa.
Na avaliação do psicólogo, o papel dos pais ou responsáveis nesse momento é incentivar e promover atividades físicas para os filhos A questão das telas, no entanto, é mais complexa, segundo ele. Para Maciel, é preciso que os pais consigam mudar os próprios hábitos com as tecnologias para também lidar com o tédio e o desconforto.

“O primeiro passo é os pais conseguirem lidar com o próprio desconforto, o que vai muito além de dar exemplo para os filhos. A questão é que é muito mais fácil lidar com o desconforto dos filhos com o uso do celular”, aponta. “O grande passo para ter menos crianças ansiosas é o pais conseguirem lidar com os filhos durante o desconforto de um choro, grito ou birra. Para um pai ou uma mãe não usar as telas para resolver as demandas da criança, eles precisam aprender a conviver com essa criança real, que não está anestesiada”, pontua.
Atenção aos sintomas
Durante a infância e a adolescência, os transtornos de ansiedade também se manifestam por meio de sintomas físicos, como dor de cabeça, dor abdominal, dor nas pernas e alteração nos padrões de sono e apetite. De acordo com o Ministério da Saúde, as crianças e adolescentes podem não conseguir explicar com clareza as emoções, o que dificulta a identificação de um transtorno ansioso.
Outros problemas recorrentes são: angústia constante; querer sempre ficar próximo dos responsáveis; falta de interesse na escola ou mudança repentina no desempenho acadêmico; medo sem justificativa,; deixar de realizar suas atividades diárias como estudar, brincar, cantar ou praticar esportes, além de se assustar com pequenas coisas e apresentar uma preocupação excessiva e constante com a saúde.
Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde afirmou que o SUS oferta assistência integral e qualificada aos pacientes com transtornos mentais, tais como ansiedade, com acompanhamentos realizados na atenção primária e especializada à saúde. “Em 2023, o atual governo implantou o Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (DESMAD), retomando o compromisso histórico com a Reforma Psiquiátrica e investindo na qualificação da assistência por meio de educação permanente dos profissionais de saúde”, diz a pasta.
Segundo o órgão, o cuidado se inicia, para casos leves e moderados, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) com ações individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico e tratamentos por meio de equipes multiprofissionais. Os pacientes considerados mais graves são levados para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) — que é composta por um conjunto de serviços articulados para o acolhimento das pessoas com sofrimento ou adoecimento psíquico, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso excessivo de álcool e outras drogas.
“Atualmente a RAPS conta com 3.019 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 912 Serviços Residenciais Terapêuticos, além de unidades de acolhimento e leitos de saúde mental. O SUS também oferta medicações para o tratamento de ansiedade e depressão nas unidades de saúde públicas e CAPS, sendo necessário a avaliação e prescrição médica para a sua retirada”, informa o ministério.
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